1924-2024 – Algumas notícias centenárias num ano de comemoração centenária

por

em

Frederico Pimenta


Alunos no pátio de Poiares da Régua

 

Linhas convergentes ________________________________________________________

Por Frederico Pimenta

Releitura dos documentos originais da história dos Salesianos em Portugal. Trabalho ímpar de tantos investigadores, com especial destaque para o Pe. Amador Anjos, historiador, conhecedor profundo e inspirador de dissertações e teses sobre a vida e obra dos Salesianos em Portugal.

 

 

1924-2024 – Algumas notícias centenárias num ano de comemoração centenária 

 

No ano de 1924, publicaram-se seis edições do Boletim Salesiano em português, com uma tiragem de 19 mil exemplares, cada uma agregada em dois meses. A presença de notícias sobre Portugal resume-se praticamente a uma única nota sobre a fundação de uma nova casa salesiana.

                                                                                                                         

Os reflexos da proclamação da república e o ambiente desfavorável que se seguiu, em relação à Igreja, não possibilitaram, no ano concreto de 1924, uma informação sequencial sobre o território luso inserida no Boletim Salesiano. A Província Portuguesa encontrava-se em lenta renovação, levedando o desenvolvimento que se tornou notório, fruto de alcantilado trabalho, nos anos subsequentes.

 

Sendo este breve trabalho o recordar de uma data centenária – 1924 / 2024 – sobressai o facto de, na primeira data assinalada, se celebrarem igualmente outras datas centenárias e as suas respetivas comemorações, no momento cronológico abordado ou, então, num vindoiro muito próximo.

 

Nas palavras grafadas pelo Pe. Filipe Rinaldi no começo de mais um ano, neste caso concretamente no dia 1 de janeiro de 1924, o sacerdote confrontou-nos com a seguinte ideia: “ Não só nos tempos decorridos, muitas foram as iniciativas dos Salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora, numa actividade de benefícios; mas, nos tempos presentes, taes houve que tomaram tal desenvolvimento, que humanamente não se pode explicar (…)” (1) sendo neste contexto que se enquadra a informação da “Outra casa de formação, em Regoa, Portugal (…)”. (2) Dava, assim, de acordo com o escrito do Pe. Filipe Rinaldi, nota da fundação da casa de Poiares da Régua, no ano de 1923.

 

Num manuscrito do Pe. José Bernardino Rodrigues, redigido em Manique, no ano de 1975, dá-se conta do excelente relacionamento da comunidade salesiana instituída em Poiares com os habitantes dos lugares e zonas circundantes. Afirma o sacerdote: “O primeiro salesiano que chegou a Poiares foi o Pe. Sutera, que tinha estado em Portugal e veio para restaurar a nossa província”. (3) Viviam-se os tempos da reorganização da Província, que se deram desde o ano de 1920.

 

Em documento manuscrito, intitulado “Casa de Formação salesiana”, dá-se nota deste facto: “A 8 de Janeiro de 1924 entrega da Casa do Sr. Arceb.  Primaz, D. Man. Vieira de Matos, por este ao Revmo. Sr Pe. Luís Maria Sutera, Visitador em Portugal. Neste ano lectivo não se poude abrir a casa por ser no meio do ano, nem se podia fazer propaganda da nossa Obra em vista da situação política ainda jacobina”. (4)

Durante o ano de 1924, o papel do pessoal salesiano permanecente em Poiares da Régua girou em torno da realização do culto numa pequena capela, existindo apenas um exíguo oratório. Sob cogitação do Arcebispo de Vila Real, D. João Evangelista de Lima Vidal, os Salesianos orientaram o seminário da nova diocese de Vila Real, passando a casa a chamar-se Pequeno Seminário do Sagrado Coração de Jesus.  Até 1933, o diretor da casa salesiana foi o Pe. Agostinho Colussi, ao qual se seguiu o seu irmão Paulo, desempenhando ambos um papel fundamental na obra salesiana, no seu geral e no concreto nesta localidade. No documento fotográfico apenso ao texto, vislumbram-se o pátio e os alunos do seminário. Em 1933, os Salesianos, na pessoa do Pe. José Bernardino Rodrigues, tomaram sob a sua responsabilidade a paróquia de Poiares, tornando-se esta a primeira a ser entregue à congregação, em Portugal.

No ano de 1927, concretamente a 28 de julho, em carta de D. João Evangelista, Arcebispo Bispo de Vila Real, este congratulou-se com a ida dos Salesianos para Poiares da Régua. (5)

A ereção do noviciado nesta casa dá-se pelo decreto de 8 de setembro de 1927: “(…) Nos, Philippus Rinaldi, Societatis a Sancto Francisco Salesio nuncupatae Rector Maior, canonice erigimus Novitiatum in Domo, quae extat in civitate, vulgo, POIARES DA REGOA, pro Inspectoria Lusitana, (…)”. (6) 

 

Na véspera do ano jubilar de 1925, de acordo com os desígnios do Papa Pio XI, o Boletim Salesiano deu nota das preparações para a exposição missionária, com carácter científico, a realizar em Roma, na qual os Salesianos “já começaram os seus trabalhos” (7)  e, sabemos hoje, tiveram importante intervenção.  Ao longo das descrições elaboradas ao longo desse ano de 1924 no Boletim Salesiano, perpetuam-se os coloridos, estonteantes e corajosos relatos das vivências testemunhadas pelos missionários salesianos em zonas completamente dissemelhantes do globo.

 

No escrito “Expansão da Pia Sociedade Salesiana”, assinado por P. de La Gorce, faz-se uma brevíssima menção à paróquia portuguesa de Oakland, que, referindo-se aos Salesianos, “foi-lhes confiada em 1902”. (8) Nesta paróquia, distinguiu-se o Pe. Henrique Ferreira, que trabalhou diretamente com D. Rua e orientou o Boletim Salesiano durante alguns meses.

Nas páginas do Boletim Salesiano desse ano de 1924, anteveem-se ainda os momentos celebrativos no futuro ano de 1925 e, nele, a comemoração dos cinquenta anos das Missões Salesianas. Enaltecidos são, nestas linhas, os missionários pioneiros desta aventura “em que se estamparam as imagens de tantos filhos de D. Bosco, verdadeiros Apostolos que, para o bem da humanidade, exgottaram toda a vida”. (9) No final da fluente escrita relatora dos percursos missionários, robustece-se a ideia da celebração cinquentenária: “É preciso que o empenho geral se unifique, que as forças se ajustem para a solennização do Cincoentenario das Missões Salesianas de 1925”. (10) No rasto desta ideia de empenhamento pela realização da exposição missionária no momento do ano jubilar, o Boletim Salesiano envolve os territórios de língua portuguesa: “O Brasil, Portugal e Colonias não ficarão por certo indiferentes ao grande movimento missionário, que se realiza em todo o mundo catholico”. (11) Na continuação deste artigo, sobressai a descrição e notícia do Congresso Internacional de Buenos-Aires como preparação para os atos do Cinquentenário das Missões Salesianas. De realce, leiam-se os números apresentados como testemunho do desenvolvimento da obra salesiana na Argentina, até ao ano de 1924: 39 centros de Missão, 55 colégios internos, 66 colégios externos, 80 oratórios festivos, nove escolas de artes e ofícios, seis escolas profissionais, três hospitais públicos e 20 batalhões de escuteiros. Equivalente apresentação e de título meramente exemplificativo do desenvolvimento da obra salesiana em diferentes partes do mundo, surge nas linhas da publicação salesiana fonte de informação transbordante, no recordar, em carta do Pe. Carlos Crespi ao Pe. Filipe Rinaldi sobre a missão de Guayaquil: “Hoje, 1 de Março de 1924 completam-se 30 annos que os Missionarios Salesianos, convidados pelo governo do Equador, por incumbencia da Santa Sé, assumiram a evangelização da raça Jivara em Guayaquil”. (12) 

 

Em jeito de conclusão deste deambular pelo ano de 1924 e no surgimento de mais um momento centenário, formula-se uma questão: “Ainda outro centenário? Sim, outro centenário e daqueles que devem ser comemorados, não por caprichos de rotina, mas porque concretizam em sí algo de sublime, de admiravel….”. A publicação de setembro/outubro expunha “o sonho prophetico” de D. Bosco, em 1824, e, claro, o seu centenário no ano de 1924. No âmago da análise sobre o acontecimento celebrado, o Boletim Salesiano concluiu: “O seu sonho é sonho e não é sonho: é alguma cousa de melhor, é – digamos logo sem rodeios – uma visão, uma missão clara e precisa que a Providencia lhe confia”. (13)

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(1)      Boletim Salesiano, revista das obras de Dom Bosco, Anno XXXI, Janeiro-Fevereiro, Numero 1, 1924. 

(2)       Boletim Salesiano, revista das obras de Dom Bosco, Anno XXXI, Janeiro-Fevereiro, Numero 1, 1924.

(3)      Província Portuguesa da Sociedade Salesiana – Arquivo Histórico – P. Amador Anjos.

(4)      Província Portuguesa da Sociedade Salesiana – Arquivo Histórico – P. Amador Anjos. 

(5)      Província Portuguesa da Sociedade Salesiana – Arquivo Histórico – P. Amador Anjos.

(6)      Província Portuguesa da Sociedade Salesiana – Arquivo Histórico – P. Amador Anjos.

(7)      Boletim Salesiano, revista das obras de Dom Bosco, Anno XXXI, Janeiro-Fevereiro, Numero 1, 1924.

(8)      Boletim Salesiano, revista das obras de Dom Bosco, Anno XXXI, Janeiro-Fevereiro, Numero 1, 1924.

(9)      Boletim Salesiano, revista das obras de Dom Bosco, Anno XXXI, Março-Abril, Numero 2, 1924.

(10)    Boletim Salesiano, revista das obras de Dom Bosco, Anno XXXI, Março-Abril, Numero 2, 1924.

(11)    Boletim Salesiano, revista das obras de Dom Bosco, Anno XXXI, Maio-Junho, Numero 3, 1924.

(12)    Boletim Salesiano, revista das obras de Dom Bosco, Anno XXXI, Maio-Junho, Numero 3, 1924.

(13)    Boletim Salesiano, revista das obras de Dom Bosco, Anno XXXI, Setembro-Outubro, Numero 5, 1924.